sábado, 13 de julho de 2013

PQPari de Pascal

A aposta de Pascal é mais um argumento de economia moral do que de Teologia. 
Se o Deus cristão não existir, os crentes lamentarão pelo tempo dedicado às coisas sagradas. Para eles a perda iria variar por quanto investimento sacro fora dispensado em suas ações; os descrentes ganharão apenas o tempo que lhe não dispensaram durante a vida. O ganho iria variar de acordo com o desdém exibido. 
Se Deus existir, o crente ganha infinitamente; o descrente passa a depender da benevolência divina para não arder eternamente no inferno. Nesse caso, agir honestamente conforme os preceitos cristãos não é muito diferente de fingir estar agindo conforme, pois a seta da Graça é inescrutável e unidirecional, de lá para cá. 
Segundo Pascal, esse modo de agir e pensar, quando transformado em regra normativa, resulta numa espécie de pagamento antecipado da aposta, p. ex., quando o costume do bem fazer acaba transformando-se em altruísmo. 
Eu penso se devo ajudar um ceguinho a atravessar a rua. Posso imaginar que não ajudá-lo seria de grande utilidade para ele aprender a atravessar as outras inúmeras ruas que vislumbrará na vida; posso imaginar que o sem-visão pode tentar atravessá-la com suas próprias incapacidades e... morrer. Para Pascal, o importante não é o que eu penso, mas a conformidade da ação aos preceitos comunitariamente aceitos, neste caso, não matar etc. O que significa o mesmo: agir como se sua ação não o fizesse sentir culpa pela morte de outrem. O importante é agir racionalmente conforme tais exigências, mesmo que no fundo eu esteja imaginando que Deus recompensará meu time caso eu ajude tal cegueta.
Agir como se Deus existisse significa agir conforme uma regra justificada racionalmente, um tipo de justificativa ideal, compartilhada e transmitida habitualmente. O que atribui significado à justificativa, nesse caso, é o compartilhamento das condições coletivas de assertividade nas quais nos inserimos, a saber, um preceito cristão geral de não matar.
Há quem diga que o argumento de Pascal é falacioso, que vale apenas num mundo em que Deus, por um lado, possuísse aquelas qualidades maximais de onipotência, unicidade e infinitude, e em que as pessoas, por outro, não pudessem escolher uma religião entre outras ou não pudessem estar sob outra tradição. 
Mas essas questões teológicas insuperáveis aos séculos XVI e XVII, em que o arsenal cético é utilizado bilateralmente entre as posições opostas, enfraquecem subitamente as tentativas racionais de justificar a presença de Deus em nossas vidas ordinárias. Sabendo disso, o general cristão de Pascal atravessa o campo de sua batalha, da Teologia para uma teoria econômica e probabilística das decisões, cuja regra mais geral é compatível com a regra mais geral da ideologia cristã ocidental, aquela sobre morrer e matar.
E o futebol com isso? quase me esquece dizer, estou certo que meus colegas já sabem: - para os atleticanos, o futebol é vida e morte, e se me explico através de um clichê é porque o Clube Atlético Mineiro está no núcleo duro, por assim dizer, de nossa rede de crenças. Quase não usamos azul e branco. Preferimos um filho gay a... etc.
Fossem Deus e outra entidade invocados na Bahia, então o clássico soteropolitano terminaria sempre empatado. Claro, mas isso é uma questão teológica. Numa teoria precaucionista pascaliana, a justificativa só pode ser racionalizada após o jogo; antes, trata-se apenas de uma aposta. E há melhores maneiras de apostar. Em qualquer jogo de azar, crer ou fingir crer no objeto do azar, embora não leve necessariamente à vitória, constitui a ação esperada dos actantes, no caso futebolístico, de torcedores, treinador e jogadores.
Quando o Atlético sofreu um pênalti no apagar das luzes, o que nos restou além de rezar torcer existencialmente? E após a defesa de nosso arqueiro, toda reza torcida nos pareceu tão razoável como uma causa provável.
Quando precisávamos de um gol mais, e não podíamos tomar nenhum, o que nos restou senão uma promessa de ir, reiterada por outra de voltar, do Mineirão ao Independência? E, após o gol, imaginamos que se a promessa envolvesse percorrer o trajeto descalço, certo seria o terceiro gol.
Isso sem falar no “Yes, we C.A.M”. Na queda da iluminação do Horto. Na entrada do Bunda...

Se Deus existir, o crente ganha infinitamente. Se não, ele pouco ou nada perde. Abençoado o time que tem um treinador que acredita e torcedores que acreditam, de mentirinha ou não.

2 comentários:

  1. Metafísica atleticana? Discussão meta-atleticana?

    Olha, o primeiro duelo de morrer ainda está por vir. Mas decerto que sobre o drama atleticano, cada jogo parece apocalíptico. Eu mesmo, depois de muito tempo nessa aí - de acreditar e crer e torcer - depois de muito ter vivido a história atleticana, nunca vi algo mais mortal que o Galo 2013, para o bem ou para o mal. Ando até desconfiado, além da conta, porque agora me vêm tapinhas nas costas e frases do tipo: “-Não se preocupe, o pior já passou!”. Eu dispenso a “solidariedade” cruzeirense. Então, meu filho, se um dia cair aqui, ou sequer passar por aqui, procure outra coisa pra fazer: seu tempo está sendo desperdiçado, pois o Atlético-MG é algo que você não conseguirá entender. Os filosofismos eu deixo para os entendidos...

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    1. Gente... geralmente eu não sou radical assim, mas já está me irritando esse negócio de cruzeirense ironizar a "perspectiva" do título se precavendo do pior nesse suposto discurso de trégua e "generosidade". Eu é que sei onde leva esse sorriso do canto da boca. Paz, mas não exagerem...

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