Se o Deus
cristão não existir, os crentes lamentarão pelo tempo dedicado às coisas
sagradas. Para eles a perda iria variar por quanto investimento sacro fora
dispensado em suas ações; os descrentes ganharão apenas o tempo que lhe não dispensaram
durante a vida. O ganho iria variar de acordo com o desdém exibido.
Se Deus existir, o
crente ganha infinitamente; o descrente passa a depender da benevolência divina
para não arder eternamente no inferno. Nesse caso, agir honestamente conforme
os preceitos cristãos não é muito diferente de fingir estar agindo conforme, pois
a seta da Graça é inescrutável e unidirecional, de lá para cá.
Segundo
Pascal, esse modo de agir e pensar, quando transformado em regra
normativa, resulta numa espécie de pagamento antecipado da aposta, p. ex.,
quando o costume do bem fazer acaba transformando-se em altruísmo.
Eu penso se devo
ajudar um ceguinho a atravessar a rua. Posso imaginar que não ajudá-lo seria de
grande utilidade para ele aprender a atravessar as outras inúmeras ruas que vislumbrará
na vida; posso imaginar que o sem-visão pode tentar atravessá-la com suas
próprias incapacidades e... morrer. Para Pascal, o importante não é o que eu
penso, mas a conformidade da ação aos preceitos comunitariamente aceitos, neste
caso, não matar etc. O que significa
o mesmo: agir como se sua ação não o fizesse sentir culpa pela morte de outrem.
O importante é agir racionalmente conforme tais exigências, mesmo que no fundo
eu esteja imaginando que Deus recompensará meu time caso eu ajude tal cegueta.
Agir como se Deus
existisse significa agir conforme uma regra justificada racionalmente, um tipo
de justificativa ideal, compartilhada e transmitida habitualmente. O que
atribui significado à justificativa, nesse caso, é o compartilhamento das
condições coletivas de assertividade nas quais nos inserimos, a saber, um
preceito cristão geral de não matar.
Há quem diga que o
argumento de Pascal é falacioso, que vale apenas num mundo em que Deus, por um
lado, possuísse aquelas qualidades maximais de onipotência, unicidade e
infinitude, e em que as pessoas, por outro, não pudessem escolher uma religião
entre outras ou não pudessem estar sob outra tradição.
Mas essas questões
teológicas insuperáveis aos séculos XVI e XVII, em que o arsenal cético é
utilizado bilateralmente entre as posições opostas, enfraquecem
subitamente as tentativas racionais de justificar a presença de Deus em nossas
vidas ordinárias. Sabendo disso, o general cristão de Pascal atravessa o campo
de sua batalha, da Teologia para uma teoria econômica e probabilística das
decisões, cuja regra mais geral é compatível com a regra mais geral da
ideologia cristã ocidental, aquela sobre morrer e matar.
E o futebol com
isso? quase me esquece dizer, estou certo que meus colegas já sabem: - para os
atleticanos, o futebol é vida e morte, e se me explico através de um clichê é
porque o Clube Atlético Mineiro está no núcleo duro, por assim dizer, de nossa
rede de crenças. Quase não usamos azul e branco. Preferimos um filho gay
a... etc.
Fossem Deus e
outra entidade invocados na Bahia, então o clássico soteropolitano terminaria
sempre empatado. Claro, mas isso é uma questão teológica. Numa teoria precaucionista
pascaliana, a justificativa só pode ser racionalizada após o jogo; antes,
trata-se apenas de uma aposta. E há melhores maneiras de apostar. Em qualquer
jogo de azar, crer ou fingir crer no objeto do azar, embora não leve
necessariamente à vitória, constitui a ação esperada dos actantes, no caso
futebolístico, de torcedores, treinador e jogadores.
Quando o
Atlético sofreu um pênalti no apagar das luzes, o que nos restou além de rezar
torcer existencialmente? E após a defesa de nosso arqueiro, toda reza
torcida nos pareceu tão razoável como uma causa provável.
Quando
precisávamos de um gol mais, e não podíamos tomar nenhum, o que nos restou
senão uma promessa de ir, reiterada por outra de voltar, do Mineirão ao
Independência? E, após o gol, imaginamos que se a promessa envolvesse percorrer
o trajeto descalço, certo seria o terceiro gol.
Isso sem falar
no “Yes, we C.A.M”. Na queda da iluminação do Horto. Na entrada do Bunda...
Se Deus existir, o crente
ganha infinitamente. Se não, ele pouco ou nada perde. Abençoado o time
que tem um treinador que acredita e torcedores que acreditam, de mentirinha ou
não.
Metafísica atleticana? Discussão meta-atleticana?
ResponderExcluirOlha, o primeiro duelo de morrer ainda está por vir. Mas decerto que sobre o drama atleticano, cada jogo parece apocalíptico. Eu mesmo, depois de muito tempo nessa aí - de acreditar e crer e torcer - depois de muito ter vivido a história atleticana, nunca vi algo mais mortal que o Galo 2013, para o bem ou para o mal. Ando até desconfiado, além da conta, porque agora me vêm tapinhas nas costas e frases do tipo: “-Não se preocupe, o pior já passou!”. Eu dispenso a “solidariedade” cruzeirense. Então, meu filho, se um dia cair aqui, ou sequer passar por aqui, procure outra coisa pra fazer: seu tempo está sendo desperdiçado, pois o Atlético-MG é algo que você não conseguirá entender. Os filosofismos eu deixo para os entendidos...
Gente... geralmente eu não sou radical assim, mas já está me irritando esse negócio de cruzeirense ironizar a "perspectiva" do título se precavendo do pior nesse suposto discurso de trégua e "generosidade". Eu é que sei onde leva esse sorriso do canto da boca. Paz, mas não exagerem...
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